A estrada
estava agradavelmente vazia quando a família Jones voltava de um proveitoso
final de semana na Pousada Sunflower. Haviam também visitado juntos pela
primeira vez a estação de esqui Rockfield. Era um fim de tarde claro. O fraco e
amarelo sol se punha vagarosamente atrás da vasta planície recortada de vários
lagos congelados. O radio do carro estava ligado e tocava baixinho a música Total
eclipse of the heart
de Bonnie Tyler, enquanto Paul tamborilava inconscientemente os
dedos no volante, dirigindo devagar e cuidadosamente pela estrada molhada. Jane
cantava baixinho algumas partes da música e lixava as unhas, aproveitando a
claridade dos últimos raios solares. Um garotinho de quase três anos estava no
banco de trás, dormindo serenamente em sua cadeirinha.
Jane olhou
para o filho e sorriu. Sentia-se bem e feliz . O marido e o filho eram tudo o
que ela podia chamar de família. Não havia mais ninguém além deles, com quem
tivesse algum vínculo familiar.
A noite
chegava, lançando escuras sombras pela estrada serpenteante. Vez e outra
passava algum carro na direção contraria, agora com faróis acesos, suas luzes
cintilando nas camadas de gelo acumuladas à beira da via. Não faltava muito
para chegar à White River e Paul acelerava um pouco mais, aproveitando a
estrada que estava agora seca.
Jane passou a
mão nos cabelos castanhos e lisos de Paul, que lhe desciam na testa em uma
discreta franja diagonal. O homem sorriu sem olhar para ela, apreciando a carícia. Seus olhos
eram um tom de azul claro acinzentado, extremamente penetrantes e a barba bem
feita emoldurava seu largo maxilar. A mulher reclinou o banco para trás e
deitou-se. Em pouco menos de uma hora estaria em casa e poderia descansar
confortavelmente, então fechou os olhos e adormeceu.
Paul olhou
rapidamente para a mulher ao seu lado. Era graciosamente bonita. Seus cabelos
cacheados e castanhos fundiam-se com sua pele morena rosada. Seus padrões eram
diferentes da grande maioria das mulheres daquele país, devido a sua descendência
latina.
Faltava pouco
mais de cinquenta quilômetros para a entrada de White River e nesse ponto a
estrada ganhava muitas curvas. Então, depois de sinuosa curva, um animal grande
e escuro estava no meio da pista. Paul apertou o pedal do freio com força e
tentou desviar, mas o carro deslizou perigosamente, e girou de lado. O impacto
foi inevitável e a porta ao lado de Paul afundou. O carro foi erguido no ar e
capotou por duas vezes, parando de pé, na posição original.
Não deu para
entender o que havia acontecido nos últimos cinco segundos. Jane sentia o corpo
todo doer. Quando compreendeu, sua boca se abriu num grito que nunca foi
ouvido. Algo quente escorria do lado de sua cabeça, descendo até seu queixo.
Ela estava presa contra o painel do carro e sua cabeça virada para o lado de
fora do veículo.
- Paul! -
gritou ela, com lágrimas descendo pelo rosto - Paul, por favor.
O homem não
respondeu. Então um som aumentou ainda mais seu desespero. Um menininho começou
a chorar.
- Jack! Jack!
Ai meu Deus! Jack!
Jane tentou
empurrar para trás, com o braço que conseguia movimentar, o que a prendia, mas
foi inútil e só fazia aumentar a dor. Então ela viu o espelho retrovisor
quebrado, pendurado precariamente do lado de fora do carro. Com muito esforço
ela passou o braço pelo buraco com cacos estilhaçados, onde há poucos instantes
existira um vidro e puxou o objeto. Com dificuldade tentou localizar o filho
pelo reflexo do espelho, mas conseguiu vê-lo ainda preso ao cinto de sua
cadeirinha. O teto amassado quase tocando a cabeça do garotinho que ainda
chorava, mas aparentemente estava bem.
Jane chamou em
prantos novamente pelo marido, mas ele continuava a não responder. Então ouviu
o som de um carro que se aproximava. O veículo parou e Jane ouviu vozes.
- Vá buscar ajuda!
Rápido! - soou urgente a voz de uma
mulher.
Segundos
depois o motor do carro roncou e foi sumindo. A dona da voz murmurou algo que
Jane não compreendeu.
- Por favor me
ajuda - disse Jane. O desespero transparecendo nitidamente em sua voz.
Uma senhora de
uns cinquenta anos apareceu do lado do carro onde Jane estava. Seu rosto também
estava assustado.
- O meu filho.
Tira ele do carro - pediu suplicante.
- Fica
tranquila, moça, - a voz da senhora soou calma - seu filho está bem. Meu marido
foi buscar ajuda.
- Meu marido
não me responde - continuou Jane.
- Ele deve ter
desmaiado com o impacto. Fique tranquila, a ajuda já vai chegar.
Ao longo de
dez minutos que mais pareceram uma hora, Jane viu chegar mais alguns carros que
paravam próximo dali. Então ouviu uma sirene tocar se aproximando e luzes
vermelhas intermitentes brilhavam ofuscantes no seu pequeno raio de visão.
Quanto tempo
passou Jane não conseguiu calcular, mas
agora, o som do metal sendo desdobrado e rasgado enchia o lugar. Pessoas
vestidas de branco e outras de vermelho circulavam pela escuridão, dando e
executando ordens.
Os bombeiros
que cortavam o ferro retorcido finalmente conseguiram abrir espaço suficiente
para retirar Jane, que agora estava com o pescoço imobilizado. Quando a colocaram
na maca, Jane não pode ver nada além dos rostos das pessoas que a empurravam e
o céu escuro e nublado. Quando chegaram à ambulância, Jane ouviu a voz do
pequeno Jack e percebeu que ele já estava lá dentro. Então inclinaram a maca
para fazê-la entrar no veículo e Jane sentiu que lhe roubavam a vida. Ela viu
Paul. Os olhos do homem estavam fechados
e sua boca entreaberta como se estivesse dormindo. Uma coisa sólida, branca e
sangrenta havia rasgado seu braço direito, de dentro para fora, que agora
pendia molemente ao seu lado.
Medo e
desespero se misturaram dentro de Jane e ela gritou. Gritou coisas
ininteligíveis. Gritou entre lágrimas o nome de Paul. Mas Paul não podia ouvir.
Paul não estava mais ali.
*****
Este é o meu primeiro texto aqui no blog. Compartilhem. Dêem aquela força na divulgação! Abraços...
ResponderExcluir